As doações em vida e o impacto que estas podem ter na partilha de bens após a morte do doador

A doação é um acto jurídico ainda muito utilizado em Portugal para transmitir bens ou valores em vida, seja por motivos afectivos, económicos ou planeamento sucessório. No entanto, é fundamental compreender o conceito de colação e o impacto que as doações realizadas com ou sem dispensa de colação podem ter na herança e na partilha dos bens após a morte do doador.

Em primeiro lugar, é importante esclarecer que a doação é um contrato pelo qual uma pessoa (doador) transfere gratuitamente um bem ou valor para outra (donatário), sem que haja qualquer contrapartida. É um ato jurídico formal que deve ser feito por escritura pública quando envolve bens imóveis, móveis sujeitos a registo (por exemplo: veículos) ou valores significativos.

Em segundo lugar, é conveniente também compreender em que se traduz na prática a colação e qual a sua finalidade.

Ora, a colação é um mecanismo previsto no Código Civil Português que visa assegurar a igualdade entre os herdeiros legitimários (filhos, cônjuges e ascendentes).

De forma simplificada, considera-se que as doações feitas em vida pelo falecido aos herdeiros legitimários são adiantamentos da herança, sendo necessário “trazer de volta” o valor dessas doações para a herança, a fim de se calcular o quinhão hereditário de cada herdeiro. A colação corresponde, normalmente, a uma operação intelectual de restituição fictícia dos bens doados, para efeitos de cálculo de igualação da partilha. Este mecanismo evita que um herdeiro seja favorecido em detrimento dos outros, salvo quando o doador expressamente dispense a colação.

Por exemplo, se um pai doa um imóvel a um dos filhos durante a sua vida, o valor desse imóvel deve ser considerado no momento da partilha da herança, de forma a garantir que os outros filhos não sejam prejudicados.

No entanto, o doador pode dispensar expressamente o donatário da obrigação de colacionar a doação. Esta dispensa pode ser feita no ato da doação ou em testamento e, quando isso acontece, o bem doado não é levado em conta para efeitos de divisão da herança.

Embora a dispensa de colação seja válida, é importante ter em conta que ela não pode violar a quota legítima dos herdeiros legitimários. Em Portugal, os herdeiros legitimários (cônjuge, descendentes e ascendentes) têm direito a uma parte mínima da herança, chamada de “legítima”, que o falecido não pode dispor livremente.

O doador pode, ainda, ao invés de dispensar da colação aquela doação declarar que ela é feita “por conta da quota disponível”. Uma doação feita “por conta da quota disponível” significa que o doador utiliza a parte do seu património que pode livremente dispor, sem interferir nos direitos dos herdeiros legitimários. Em Portugal, a lei estabelece que uma parte da herança é reservada obrigatoriamente aos herdeiros legitimários, como cônjuge, filhos ou pais (a chamada legítima). A quota disponível é a parte restante, que o doador pode atribuir a quem quiser, seja através de doações em vida ou por testamento.

A doação “por conta da quota disponível”, à semelhança do que acontece com a dispensa de colação, não pode violar a quota legítima dos herdeiros legitimários.

O que acontece quando a quota legítima é afectada com uma doação realizada em vida, seja ela com ou sem dispensa de colação?

Se as doações em vida, mesmo com dispensa de colação ou com a menção “por conta da quota disponível”, prejudicarem a legítima dos herdeiros, estes podem recorrer à “restituição da legítima”. Este mecanismo, também previsto no Código Civil Português e denominado de “acção de redução por inoficiosidade”, permite que os herdeiros legitimários afectados exijam a redução das doações feitas em vida que excedam a parte disponível da herança, garantindo assim o cumprimento da lei. Esta acção tem de ser interposta no prazo de dois anos, a contar da aceitação da herança pelo herdeiro legitimário, sob pena de caducidade. A caducidade implica a perda definitiva do direito de contestar as doações que afectam a legítima.

A redução das doações é feita na ordem inversa em que foram realizadas, ou seja, as doações mais recentes são reduzidas primeiro, até que a legítima seja integralmente reposta.

Os herdeiros legitimários que se sentirem prejudicados por doações feitas em vida devem estar atentos e, se necessário, procurar assistência jurídica especializada para garantir os seus direitos. É fundamental analisar a documentação relativa às doações e calcular o impacto destas na legítima especialmente em situações de dispensa de colação.

Em suma, as doações em vida e a dispensa de colação são instrumentos legítimos, mas podem gerar conflitos no âmbito da partilha de heranças, especialmente quando afetam a legítima dos herdeiros. Por isso é essencial contar com uma assessoria jurídica experiente nesta área, como a , para assegurar que a lei seja respeitada e que todos os herdeiros tenham os seus direitos protegidos.

 

 

 

Otras publicaciones